É compreensível que as pessoas nos nossos dias se sintam cada vez mais apreensivas com o caminho que se está a percorrer ao nível do ambiente de trabalho, porque estamos a adoecer a trabalhar. Emergem em contexto laboral preocupações com o stress, o Síndrome de Burnout e as doenças mentais que estão a alienar os trabalhadores portugueses, com consequências severas ao nível da sinistralidade laboral, da produtividade, da atratividade de recursos humanos e da própria sustentabilidade das organizações.
Tanto se fala em saúde mental, sobre o impacto que esta tem na saúde física, no bem-estar dos nossos trabalhadores, cujos os sintomas e as consequências são manifestamente conhecidas por todos nós: o Stress, a Ansiedade, a Depressão e o Síndrome de Burnout (Ordem dos Psicólogos Portugueses 2023). Em muito consequência das novas formas de organização do trabalho, do excesso de exigências cognitivas e emocionais, da falta de equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, da crescente precarização e do envelhecimento dos profissionais no mercado de trabalho e da má qualidade das relações laborais entre colegas e chefias.
Não podemos descurar a influência deste conjunto de fenómenos em contexto organizacional que adoecem os #nossos” trabalhadores e que concomitantemente os precipitam para zonas cinzentas.
Zonas de perigo e excessos
Estas zonas de perigo em que os trabalhadores são levados ao limite, resultam num conjunto de erros e lapsos que culminam, inevitavelmente, em acidentes de trabalho. Estes acidentes de trabalho não se limitam apenas a questões físicas dos “nossos” locais de trabalho que não se encontram acauteladas, mas estão profundamente intrincadas com as condições psicológicas presentes em ambientes de trabalho pouco saudáveis.
Não é de estranhar a apreensão quando estou a folhear um jornal ou a ouvir notícias na rádio (que considero ser o meu um exercício matinal) que se traduz, acreditem em mim, num esforço acrescido para me manter “conectada ao planeta terra” devido ao excesso de exigências que me engolem diariamente (work/life balance). Mas todas as semanas, infelizmente, existem notícias de que morreram em Portugal a trabalhar pessoas como nós, com famílias, com responsabilidades nas suas comunidades e com o direito a uma vida longa, saudável e próspera.
Estatísticas do acidentes de trabalho em Portugal
Gostaria de vos desafiar a realizar um exercício simples, com base nas estatísticas nacionais de sinistralidade em 2022. Relativamente ao ano de 2022, morreram em média 10 trabalhadores por mês e ficaram gravemente feridos 36 trabalhadores.
Ou seja, se quisermos adensar a atmosfera, morreram em média 2,5 trabalhadores por semana e ficaram gravemente feridos 9 trabalhadores.
Estatísticas da Autoridade das Condições de Trabalho, 2022
Mas, ainda assim, não perdendo o foco, registaram-se em Portugal no ano de 2022 um total de 124 acidentes de trabalho mortais, em 2021 um total de 144 acidentes mortais e em 2020 registaram-se 138 acidentes mortais (ACT).
Parece que estamos a trabalhar no sentido de inverter a tendência dos indicadores de sinistralidade, mas não é verdade este ano de 2023 já existem registo de 10 acidentes mortais e 10 acidentes muito graves (dados relativos aos três primeiros meses do ano de acordo com a ACT). É evidente que os trabalhadores continuam a morrer ou a ficar seriamente comprometidos do ponto de vista físico e psicológico a trabalhar em Portugal. Lá se vai a teoria da vida longa, saudável e próspera!
Factores de transformação
Neste sentido, a legislação é vasta, é igualmente exigente e, por vezes, complexa de aplicar. Por outro lado, a atividade da Autoridade das Condições de Trabalho pareceme profundamente comprometida, porque não consegue colmatar este panorama de degradação da qualidade das relações entre trabalhadores e entidades patronais através do cumprimento “escrupuloso” da legislação do trabalho.
Se adicionarmos a este cocktail explosivo um outro conjunto de fatores que emergem resultado das profundas transformações pelas quais as sociedades estão a passar, nomeadamente:
- O impacto do COVID-19
- A aceleração da transformação digital
- Os novos modelos de trabalho (remoto, híbrido e mistos)
- A ausência de oportunidades de desenvolvimento individual
- As crescentes exigências cognitivas e emocionais que resultam em perdas de produtividade no presentismo e
- O aumento do absentismo.
Toda esta panóplia de fatores têm impacto nos trabalhadores, amplamente sobrecarregados pelo seu trabalho, que se vêem obrigados a acumular mais carga de trabalho, para responder às necessidades da organização reduzindo os seus níveis de resposta às exigências e, o consequente aumento dos seus níveis de stress e ansiedade que poderão evoluir se não existirem programas de bem-estar em contexto organizacional (Well-being).
Esta cadeia de eventos aumenta a sua tolerância ao risco e promove o aumento da probabilidade destes mesmos trabalhadores serem vítimas de acidentes de trabalho em contexto organizacional.
As doenças do foro psicológico encontram campo fértil e proliferam em contexto organizacional e, com custos estimados em vários milhões de euros para as empresas e para a sociedade, conforme estudos recentes comprovam (Ordem dos Psicólogos Portugueses, 2023). Mas, a verdadeira fatura é paga pelo trabalhador, pela sua família, pelos seus amigos e, em última análise, também ela será paga pelos seus colegas de trabalho que visualizam o preço a suportar no futuro para manter os ritmos de trabalho que alimentem os níveis de exigência e os padrões definidos pelas organizações.
Os desafios da atualidade
Com o espectro da crise socioeconómica que estamos a viver acresce o desafio para os trabalhadores, para as empresas e para as políticas do Estado. Sabemos que estes fatores contextuais vão alavancar os níveis de stress e ansiedade que poderão evoluir para situações que poderão despoletar estados mais severos de saúde (Síndrome de Burnout, Depressão e doença mental).
Como gerimos estas situações que aumentam o risco de acidentes?
Atuando ao nível das causas através do diagnóstico precoce e a intervenção em matéria de prevenção dos riscos psicossociais. O ser humano é uno e indivisível, não existe botão do ON/OFF.
Em suma, é urgente a atividade concertada entre o Estado, as suas políticas e os seus ministérios, nomeadamente, o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e o Ministério da Saúde. A Autoridade das Condições de Trabalho deve vincar a sua atuação no esforço de apoiar os trabalhadores e as organizações com o objetivo de ver a sua atuação traduzir-se nas práticas de gestão mais adequadas (gestão de Pessoas, gestão da segurança e saúde, programas de saúde) para promover o bem-estar organizacional.