A comunidade Mulheres à Obra foi constituída em 2017 com o propósito de promover o empreendedorismo feminino e facilitar a criação de sinergias entre as suas participantes. Atualmente, reúne perto de 170 000 membros no seu grupo de Facebook, uma «Ágora Digital» com cerca de 2000 publicações mensais, onde as mulheres debatem os desafios relacionados com o empreendedorismo, trocam oportunidades de negócio e partilham testemunhos.
Com perto de 75 parceiras a garantir a sua sustentabilidade, as quais trabalham numa lógica de proximidade que envolve uma intensa dinâmica de networking, a comunidade vai mais longe nas suas parcerias internas ao apostar na criação de negócios colaborativos assentes em consórcios de empreendedoras, ilustrando assim o fenómeno emergente dos Modelos de Negócio em Rede.
Modelos de negócios em rede
A internet conecta pessoas, organizações e empresas e, com esta conexão imediata a larga escala, altera de forma profunda a forma como vivemos, trabalhamos e interagimos. Assim, pode transformar profundamente os modelos de negócios, entendidos enquanto atributos em termos das atividades realizadas e dos resultados gerados, os quais determinam o desempenho dos negócios nos mercados. Neste contexto, a elevada conexão proporcionada pela internet permite esbater as fronteiras entre os negócios, tornando-os mais permeáveis e interconectados e alterando a forma como os(as) empreendedores(as) se conectam entre si com vista à criação de valor.
Em suma, a tecnologia digital é altamente disruptiva na medida em que oferece oportunidades acrescidas de conexão ao longo de todo o processo de criação e apropriação de valor, influenciando não apenas o nível funcional e operacional dos negócios, mas também o nível estratégico do seu propósito e a capacidade de gerar novas propostas de valor.
A inovação deriva, igualmente, do desenvolvimento de serviços digitais e de produtos e serviços que usam uma forte componente digital na sua comunicação e posicionamento. Os negócios que utilizam estes recursos digitais podem obter uma vantagem competitiva face a outros que assumem uma abordagem mais tradicional. Adicionalmente, as ferramentas digitais podem contribuir para gerir os negócios de forma mais eficiente, optimizando os procedimentos de gestão e dando acesso a dados extensos que podem ser utilizados no levantamento de oportunidades e na definição de estratégias.
A apreensão da realidade dos negócios digitalmente interconectados e o reconhecimento de todo o seu potencial exige um nível de abstração bastante elevado, o qual transcende ainda as capacidades e competências não apenas dos próprios empreendedores(as) e empresários(as), mas igualmente de entidades públicas e privadas com responsabilidades no âmbito da promoção do empreendedorismo. Estas continuam amplamente centradas no apoio às empresas individualmente consideradas, procurando avidamente o próximo Unicórnio enquanto descuram a riqueza de múltiplos pequenos negócios interconectados, altamente flexíveis, inclusivos, inovadores, criativos e abrangentes.
Pequenos negócios que pensam em Grande
Os «muito pequenos negócios» possuem caraterísticas específicas que lhes permitem «encaixar como uma luva» nos modelos de negócio em rede. Sendo negócios assegurados por uma única pessoa ou por uma equipa muito reduzida, possuem mecanismos decisórios facilitados e obedecem a procedimentos burocráticos simplificados face a empresas de maior dimensão. Nesse sentido, facilmente criam conexões de forma orgânica e quase espontânea, intuitiva e, sobretudo, imediata. Desta forma, podem agarrar oportunidades de forma célere e implementar ideias inovadoras sem terem que as sujeitar ao longo escrutínio de pesadas hierarquias empresariais que são frequentemente resistentes a processos que as desafiam.
Estas redes coexistem com sistemas empresariais tradicionais fortemente acoplados, desafiando as estruturas empresariais clássicas e os seus tradicionais modelos de negócios, nomeadamente ao favorecerem conexões intersectoriais que dificultam a sua categorização.
Por exemplo, as parceiras das Mulheres à Obra facilmente se conectam para criar um negócio colaborativo na área do bem-estar, que congrega prestadoras de serviços nesta área. Facilmente este negócio pode evoluir da prestação de serviços para a organização de eventos, a dinamização de um Podcast, a publicação de uma revista digital, a implementação de projetos transnacionais, o desenvolvimento de iniciativas de responsabilidade social e uma série de outras ações, envolvendo para isso parceiras de áreas muito diversas como a comunicação, o marketing digital, a gestão de projetos, a contabilidade, a área seguradora, a fotografia, entre outras.
Camila Rodrigues | Administradora da comunidade Mulheres à Obra
Casos de sucesso
Na área da formação, o projeto Europeu XTeam-FEM, financiado no âmbito do programa Erasmus Plus, congregou uma parceira das Mulheres à Obra especialista em candidaturas e gestão de projetos europeus e 8 parceiras que constituíram uma equipa de formadoras especializadas. Por sua vez, estas receberam formação por parte de outra parceira com um negócio de grande sucesso na área da formação digital e desenvolveram, de forma coordenada, conteúdos formativos gratuitos que estão disponíveis em acesso aberto para usufruto de toda a comunidade. O projeto exigiu uma parceria transnacional, o que facilmente se conseguiu graças à elevada rede de contactos das parcerias envolvidas, neste caso com uma entidade na Alemanha. Entre outros recursos, o projeto desenvolveu cursos online gratuitos. Assim que o projeto terminar, a plataforma onde os cursos estão alojados passará a ser gerida pelo negócio colaborativo Academia MAO, o qual irá garantir a sua continuidade para além do período de financiamento comunitário.
Como é ilustrado por estes exemplos, estas parcerias são criadas em resposta a uma necessidade e facilmente se desarticulam quando essa necessidade deixa de se fazer sentir, sem grandes consequências para as parceiras envolvidas. Como cada parceira tem o seu próprio negócio, a parceria permite escalar a atividade durante a implementação da ação, sem que cada negócio individual tenha que investir de forma significativa em recursos humanos, equipamentos ou outros recursos, pois cada membro do consórcio envolve os seus próprios recursos e competências.
Tendencialmente, a tomada de decisão inerente a estas iniciativas é horizontal e a liderança é partilhada, o que permite facilitar a constituição e dissolução destas parcerias fluidas. Por via da utilização de recursos digitais, a comunicação é imediata e a gestão é simplificada. Assim, o potencial humano de cada empreendedora e a capacidade de oferta do seu negócio são colocados ao serviço de ideias que elas próprias propõem e implementam em colaboração com os seus pares, o que se traduz na elevação do seu potencial por via digital.
Pela democratização da economia
Apesar do reconhecimento e das iniciativas desenvolvidas com sucesso, os negócios colaborativos das Mulheres à Obra estão ainda numa fase embrionária, onde se testa a sua viabilidade a médio-longo prazo e a sua possível replicação em outros contextos e áreas. Os obstáculos ao sucesso destas iniciativas prendem-se essencialmente com fatores relacionados com a fraca cultura colaborativa das empreendedoras e com a ausência de reconhecimento institucional face ao valor que os seus negócios aportam à economia e à sociedade no seu todo.
Portugal é, tradicionalmente, um país de fraca confiança interpessoal e institucional, situação que se estende às mulheres. Um inquérito em curso na comunidade permite constatar níveis muito reduzidos de sororidade, os quais obstam à colaboração em prole de objetivos comuns. É por isso necessário desenvolver um longo e árduo trabalho de prática participativa e de liderança partilhada, por forma a alterar crenças limitadoras altamente enraizadas. Por outro lado, as respondentes revelam de forma reiterada como os seus negócios são esmagados por via fiscal e se pautam pela ausência de qualquer tipo de apoio público, enquanto os níveis de mobilização associativa com vista à defesa coletiva dos seus interesses profissionais é assustadoramente baixa.
Acresce a isto o facto de as mulheres enfrentarem desafios relacionados com as persistentes desigualdades de género na economia, manifestadas a vários níveis, como remuneração inferior, acesso limitado a cargos de chefia e segregação em múltiplos setores e locais de trabalho. As mulheres ainda assumem a maior parte da responsabilidade pelo trabalho não remunerado de cuidados familiares e, portanto, estão sobrecarregadas com o difícil equilíbrio entre vida profissional e pessoal, que ainda é entendido essencialmente como um problema feminino. Ao considerar o trabalho remunerado e não remunerado em conjunto, as mulheres trabalham oito semanas em tempo integral a mais do que os homens por ano.
O estabelecimento de redes de negócios geridos por mulheres pode colmatar as desigualdades observadas ao contribuir para o seu empoderamento. Por essa via, estas redes podem constituir um instrumento fundamental para a democratização da economia, ao torná-la mais inclusiva e permeável a diferentes tipos e dimensões de negócios. Para que isto aconteça, é no entanto necessário que o reconhecimento e apoio institucionais se materializem em medidas concretas que favoreçam a viabilidade financeira destes negócios e a operação das redes por si constituídas.