Estive muito recentemente num podcast a falar de um tema que me suscita diversas opiniões: a eterna divergência entre homens e mulheres quando se candidatam a um emprego; as mulheres só se candidatam se tiverem a totalidade das competências descritas na função. Aos homens, esse rácio não interessa.
Eu acho que a culpa não é nem dos homens, nem das mulheres, mas sim do descritivo de cada função, que as empresas se esforçam tanto por complicar.
Quando nos candidatamos a uma função ou posição (como preferirem chamar), um dos principais elementos que nos ajuda a decidir é a descrição da função, com as competências esperadas, viagens, etc.
Quando a descrição não corresponde à realidade
Quando essa descrição não corresponde à realidade, mas sim a um universo paralelo em que a pessoa contratada tem que ter superpoderes, aí não sei qual é a expectativa da empresa que está a recrutar.
Para desempenhar uma função uma pessoa não precisa de ter 25 competências identificadas, disponibilidade para viajar a 70%, experiência de 15 anos e falar 3 idiomas. Não estou a ver nenhuma posição que precise destas características juntas para ser desempenhada. Juro, não sei mesmo. No entanto, atualmente para conseguir emprego, para além de um curso para decifrar tudo o que está escrito na descrição da função, é preciso também disponibilidade extra para ir a 5, 6 ou até 7 rondas de entrevistas. Não faz sentido nenhum!
Procurar trabalho nos dias de hoje
Procurar trabalho nos dias de hoje é um emprego a tempo inteiro; mas a ganhar zero. Desde preparar candidaturas com perguntas que nos obrigam a repetir o CV todo (mesmo depois de o termos incluído como anexo), a disponibilidade para demasiadas rondas de entrevistas, passando por identificar todas as competências que temos desde que nascemos. E nem falo quando pedem preparação de casos! Tenho várias perguntas:
- Qual o valor acrescentado das empresas de recrutamento para os candidatos, quando em vez de otimizarem o processo de preenchimento da vaga, acrescentam mais patamares de dificuldade?
- Porque é que as empresas têm de incluir entrevistas com o manager, os colegas, a chefia do manager e alguém da equipa de liderança?
- Quando fazem a descrição da função e incluem todas aquelas competências, é de assumir que a pessoa que estava anteriormente nessa função as tinha?
- Não seria mais interessante usar a entrevista de selecção para efetivamente conhecer a pessoa? Perguntas como “o que vai fazer nos próximos 30, 60 e 90 dias” são bastante úteis para entender como a pessoa se comporta nos primeiros tempos.
- O que ganhamos nós em complicar os processos de recrutamento, quando a maioria das empresas tem a sua própria maneira de fazer as coisas, o que inclui formação nos primeiros meses?
Como descomplicar processos de recrutamento
A chave para descomplicar processos de recrutamento?
- Identificar as 5 competências base para a função, usar a entrevista para conhecer o candidato e identificar as 3 competências secundárias que são necessárias. O restante aprende-se!
- Diferenciar as pessoas que o candidato precisa de conhecer durante as entrevistas das que precisa de interagir nas primeiras semanas de trabalho. Não precisam de levar a pessoa até outro país para conhecer o CEO numa das entrevistas; não há valor nisso e se o CEO quer ter participação ativa em todos os processos de recrutamento, então claramente não está a fazer o seu papel de líder da organização e/ou o processo de recrutamento não está a ser comunicado corretamente.
- O nome da posição não é o mais importante, desde que as competências chave estejam bem identificadas. Não sabem quais são? Perguntem às equipas que trabalham diretamente com essa função/posição. Não é o manager dessa posição que deve escolher as competências, muitos menos os líderes da organização que, por sua vez, têm pouca visibilidade do trabalho operacional.
- Decidam atempadamente se a vaga vai ser preenchida por candidato externo ou interno. Não mudem de ideias a meio do processo, quando já vários candidatos externos enviaram candidaturas. Se não têm informação suficiente para decidir uma das opções, então pesquisem mais e peçam ajuda junto das equipas internas.
- Durante as entrevistas peçam ao candidato para vir preparado e, sempre que possível, enviem 2 ou 3 perguntas chave antes da entrevista. Na vida real há tempo para pensar antes de tomar decisões. As únicas profissões onde a capacidade de tomar decisões sem tempo é importante, é quando há vidas para salvar. Não vamos comparar a contratação de um gestor de planeamento com a de um médico ou bombeiro, que muitas vezes tem poucos minutos (ou segundos!) para decidir o que fazer!
Complicar (ainda mais) um processo de recrutamento, que já é complicado o suficiente porque trata-se de dar emprego a uma vida, é algo que eu não percebo; e sinceramente espero ajudar a descomplicar num futuro próximo.