Para falar sobre como criar um Departamento de Felicidade nas empresas, Ana Mendonça (gestora de RH e Chief Happiness Officer) é a pessoa ideal. Com mais de 20 anos de experiência, já passou por várias empresas, como a Makro, o grupo Angelini ou a DECO PROTESTE. Actualmente, trabalha como consultora, dedicando-se às novas formas de trabalhar, mais dedicadas nas Pessoas e em “trabalhar para e para as Pessoas”. Por isso mesmo, e a propósito dos Departamentos de Felicidade nas empresas, colocámos-lhe algumas questões que nos foram chegando sobre este tema, desde sobre como criar e gerir um Departamento de Felicidade, as suas vantagens e até como medir a felicidade.
Em poucas palavras, o que é um Departamento de Felicidade (DF)?
Um DF é um departamento, ou pode ser apenas uma pessoa totalmente dedicada ao tema da felicidade, que existe ou deve existir com o intuito de ter a “felicidade” das pessoas como prioridade na agenda. Em todo e qualquer momento do processo de tomada de decisão da vida da empresa (quer seja ele o tema que for).
Que se preocupa em perceber os seus e o que possa fazer sentido para alcançar a felicidade de todos (e com todos) numa empresa.
Há algo que quero deixar claro, e que cada vez mais sinto obrigatório partilhar quando falo do tema felicidade, a empresa ou Departamento de Felicidade trabalha no sentido das pessoas se sentirem bem e quererem estar. É querer estar aqui e não noutro sítio, porque aqui (na nossa empresa, no agora) sentem-se bem, mesmo quando o sentimento que sentem é menos bom. Nós só conhecemos a sensação de felicidade porque conhecemos o outro lado também. Nunca esquecer!
Quais as vantagens de criar um Departamento de Felicidade nas empresas?
Tendo alguém dedicado ao tema, é ter alguém que está atento a todos, ao que dizem verbalmente e ao que “dizem” em silêncio.
Ana Mendonça | CHIEF HAPPINESS OFFICER
Há muitas situações ou atitudes, que se bem interpretadas, são grandes fontes de feedback sobre a cultura e forma como as pessoas percepcionam a empresa. Alguém que vive e sente as pessoas e consegue perceber a felicidade na sua verdadeira essência. A felicidade não são sorrisos e gargalhadas (também se expressa assim), mas é muito mais. Felicidade é um estado de espírito, é uma forma de estar e sentir.
A vantagem maior de ter alguém dedicado é que nos vai lançando alertas (red flags) quando estamos distraídos com o negócio e temas do dia a dia. Os gestores devem ter alguém que lhes possa ir dizendo a “verdade” coloco verdade entre “”, porque nem sempre os colaboradores conseguem ser sinceros com os seus superiores hierárquicos ou com pessoas de cargos superiores, porque há uma hierarquia invisível de subserviência e porque temos receio de não conseguir dizer as palavras certas ou prejudicar ao dar feedback. Não quer dizer que as pessoas não transmitam a verdade mas tentam embelezar ou dizer meia verdade. A verdade é necessária, como também aceitar as decisões a tomar que devem ser as tomadas, mesmo quando não seja a que acreditamos ser a certa. Aqui o importante é conseguirmos chegar a um ponto de equilíbrio entre o que se pode e quer fazer e como será comunicado e interpretado pelas equipas. O DF tem a enorme responsabilidade de ajudar no processo de comunicação e torná-lo capaz de não ferir ninguém mas manter a felicidade de todos. Se necessário comunicar a verdade. Dura e crua e assim as pessoas são felizes porque sabem a verdade e porque nem sempre é possível fazer tudo. Nunca esquecer que a pessoa feliz só o é porque também já sentiu a infelicidade, e por isso saber que o que fazemos agora é para evitar infelicidade no futuro, pode ser o suficiente para que as pessoas fiquem felizes pelo caminho tomado.
No dia a dia, como deve funcionar o Departamento de Felicidade de uma empresa?
O DF deve funcionar perante um plano que se estabelece e acorda com todos, ou seja, após definido que se quer trabalhar no caminho da felicidade é importante e fundamental que se crie um plano e um caminho. Tudo o que se faz deve ter um objetivo, ter uma consequência direta ou indireta neste sentido. Explico melhor: quando fazemos algo, é fundamental perceber porque o fazemos e o que queremos que ressoe nas pessoas e desta forma trabalhar a ação no sentido de ser bem percepcionada por todos. Para mim, o segredo maior de todo o processo de felicidade é a: COMUNICAÇÃO.
Cumprir o plano, mas estar aberto para o imprevisto e ao improviso, sempre que necessário, e igualmente abertos a sugestões e ideias de todos. Podemos e devemos envolver todos na criação da cultura, pelo menos ouvir e tentar sempre que possível contemplar.
Ainda não falei de outro aspeto importante, o aspecto do custo (€€) , podemos fazer muitas atividades com pouco investimento mas há algumas outras que requerem algum investimento e sentirmos que é mesmo um investimento e não um custo. Tudo o que é encarado como um custo é investido como que a fundo perdido, quando investimos queremos alcançar o ROI (return on investment) e por isso vamos procurar esse retorno e procurar esse feedback. Para isso servem os surveys e os pulse surveys ou focus group ou o termo que as empresas utilizem. O procurar o retorno e perceber o caminho do investimento bem feito. Se há dinheiro para a felicidade, que seja a felicidade que se tenta alcançar – se não estamos a falhar.
Exemplos de medidas que um DF pode/deve tomar?
A primeira medida ou ação é acompanhar as equipas, estar pelos corredores de olhos bem abertos e ouvidos apurados. Estar e sentir o que se sente no ambiente. Esta será a melhor forma de se sentir o ambiente e da pessoa da felicidade começar a sentir os seus “clientes”. Conseguir estar presente nos momentos importantes, reuniões decisivas no que toca a vida das pessoas e poder ir percebendo tudo o que acontece. Perceber que a equipa de gestão tem que perceber o que é isto da felicidade mas não lhes vender isto como algo “fofo” mas sim como algo com retorno. As pessoas têm que saber que o investimento existe e não há mal nenhum em que saibam efetivamente o investimento feito e até mesmo ter acesso às contas.
Quando nos oferecem um presente, o que diz a regra da boa educação? Que devemos agradecer. Por isso, as pessoas devem ser agradecidas. MAS não podemos ter uma cultura que dá com uma mão e maltrata com a outra (aqui é onde a verdade tem que existir) .
Medidas simples como pequenos cuidados diários de dizer “bom dia” e “até amanhã”, sorrir para quem está ao nosso lado, poder oferecer espaços acolhedores de relaxamento e momentos de reflexão interna ou em grupo, oferecer café ou fruta, cuidar das pessoas que são mais que o profissional e às vezes podem estar a passar por fases e momentos menos positivos. As famosas festas de convívio são momentos de networking (não se faz apenas networking com pessoas de outras empresas, também se deve fomentar o networking interno entre colegas, áreas e departamentos). Criar e fomentar uma cultura de feedback construtivo e da aceitação do erro como crescimento e aprendizagem, entre muitas outras.
Depois temos as medidas mais dispendiosas mas também com retorno elevado, se bem implementadas. Como:
- Formação de desenvolvimento de hard e soft skills
- Aumentar as competências e crescimento das pessoas
- Apostar no seu desenvolvimento.
- Trazer os “mundos” que acontecem fora da nossa empresa e que trazemos em forma de palestras, livros, partilhas e sessões de sensibilização.
Não se esqueçam que cada pessoa que trabalha connosco conhece realidades, pratica desportos, têm interesses e podem desta forma trazer contributos importantes para a realidade de todos. Quem partilha sente-se valorizado e quem recebe pode encontrar novos interesses. Investir na formação e na gestão de carreira dos nossos, ensinando o que ainda nem todos percebem, que gestão de carreira já não é apenas o crescimento vertical mas pode ser um absorver de áreas, novas competências e sermos colocados em situações fora da nossa zona de conforto.
Um ponto que gostava de deixar claro, não há uma cartilha que sirva para todos no que toca a iniciativas para trabalhar a felicidade. Cada empresa tem as suas especificidades e cultura. Por isso, o plano para o Departamento de Felicidade deve partir de dentro e apesar de algumas ideias poderem ser trazidas de algumas práticas de outras empresas, as iniciativas devem sempre surgir de dentro e tendo em atenção as necessidades ou a “chama” para o fazer.
Que características devem ter os profissionais, os Happiness Managers ou Gestores de Felicidade para desenvolver o seu trabalho?
As características podem ser as mais variadas, mas diria que a mais importante é alguém que goste de pessoas. Alguém que perceba que as pessoas são indivíduos exigentes com os seus mundos e necessidades individuais e que às vezes podem parecer egoístas nas suas lutas pelo seu “umbigo” mas estão apenas a ser Seres Humanos 🙂 e a lutar pelo que acreditam e querem alcançar. A sociedade exige muito de nós, individualmente, e nem sempre estamos a lutar por nós, mas pelo que achamos que esperam de nós.
Gostar de pessoas, saber ouvir e interpretar corretamente para passar à prática o que possa fazer sentido. Ser humilde e ter a capacidade de perguntar quando não percebe. Ser generoso e respeitador. Ter valores corretos, que estejam alinhados com os da empresa.
Ana Mendonça | CHIEF HAPPINESS OFFICER
Deve ter uma enorme capacidade de comunicação e criação de um storytelling à volta das ações e atividades. Fazer sentir aos outros o que queremos que sintam – é uma arte. Podem ser pessoas das áreas de RH, comunicação e até mesmo marketing. Primordial é que percebam que as pessoas são um mundo onde querem entrar e perceber que a felicidade toca sempre dois lados da equação. O feliz e infeliz, o satisfeito e o insatisfeito, o contente e o triste, … sempre dois lados da moeda e temos que gostar de ambos para poder trabalhar um deles para abafar o outro.
Como pode ser o Departamento de Felicidade estratégico para uma empresa?
A minha resposta será que o DF “- É estratégico”, ou seja, retiro a possibilidade de “poder ser” e assumo que é.
Se temos as nossas pessoas comprometidas com a sua função, dentro da sua área e na empresa como um todo para o objetivo final, todos trabalhamos para o resultado final e se ainda em cima de tudo isto, as pessoas sentirem que o que faz sentido é estar connosco é sinal que estamos todos comprometidos e juntos no caminho do sucesso.
Se, como disse em cima, para mim o segredo da felicidade passa pela comunicação e se todos estão comprometidos a estratégia de todos estará alinhada, não haverá as tão faladas “quintinhas” e “lutas” internas por questões que muitas vezes são apenas egos e vaidade.
Se perguntarmos a um líder qual o seu maior sonho? Arrisco que iria dizer: “inspirar os meus e levar a empresa aos resultados para que todos possamos continuar a acreditar que estamos no sítio certo e de futuro” se não por estas palavras serão muito próximas. Inspirar e o futuro. A felicidade é acreditarmos que queremos estar onde estamos e estamos no sítio certo, se não o que fazemos é procurar outros sítios. “47% das pessoas que se dizem extremamente felizes dizem que gostam de sua atual função.” as empresas também crescem e evoluem com “sangue novo” mas a consistência das equipas e construção de todos para o todo é fulcral para o sucesso.
Que resposta tem a dar àqueles que dizem que é apenas uma moda?
Se for uma moda que seja. O significado de moda é o seguinte: “A moda é um sistema que acompanha o vestuário e o tempo, que integra o simples uso das roupas no dia a dia a um contexto maior, político, social, sociológico.” Se a moda dita uma forma de vestir ao longo do tempo e o integra no dia a dia, então bem-vinda esta moda que ao chegar e ao ser sentida passará a ser desejada e se desaparecer – pedida. Alguém que se habitua a um ambiente de felicidade, pode habituar-se e por vezes não valorizar no dia a dia por estar acostumada, mas se lhe for retirada sentirá a sua ausência e, no final, todos queremos a felicidade. Será um dos desejos universais de todos (mesmo não sendo a felicidade igual para todos mas a sensação de que a felicidade nos faz sentir bem e querer estar, todos sentimos quase da mesma forma).
Acredito que muitas empresas entraram neste mundo de forma oportunista, ou seja, foram vendo que é um tema que ganha algum peso e destaque e que querendo estar na onda vão fazendo algumas atividades e trazem o conceito para dentro. É positivo, porque uma vez falado e introduzido as pessoas começam a falar dele e a dar ideias e sugestões e quem levou o conceito também sente o peso de ter que dar continuidade. E uma vez introduzido passa a fazer parte. Porque as ações normalmente não são apenas pontuais, começamos algo depois acaba por ter continuidade. Mesmo que se traga bolas de berlim no verão ou castanhas no outono, começará a fazer parte celebrar momentos e alturas especiais e por isso de uma ação pontual passa a uma prática que passará a fazer parte.
Afinal, como se pode medir a felicidade numa empresa?
A felicidade numa empresa pode ser medida de várias formas e por atividades, mas a felicidade geral normalmente tem o seu maior impacto nos números de turnover e como as pessoas começam a permanecer e a procurar a sua progressão connosco. A partilha de oportunidades com amigos e a chegada de CV de amigos que ao sentirem a felicidade e alegria dos seus, querem fazer parte também. Podemos avaliar na maior ou menor intensidade com que as pessoas aderem e fazem parte das nossas atividades e iniciativas. Medimos pela forma como se abrem e como partilham os seus alcances mas também os seus erros e desafios e aqui conseguimos perceber a forma como a confiança impera. Depois temos também o ambiente que se sente, num ambiente de felicidade respiramos harmonia e cooperação. Um ambiente saudável.
No caso de Portugal, o que é que os colaboradores precisam para ser felizes?
Diria ser tratados como pessoas. Pessoas adultas. Ou seja, tratar as pessoas com respeito, aceitando todas as suas variáveis e variantes e perceber que passamos por muitos desafios e que os mesmos influenciam a nossa felicidade e a dos nossos. Perceber que a felicidade não são apenas atividades pontuais mas confiar, partilhar informação, confiar e fazer com que as pessoas se sintam parte integrante do projeto da empresa. Percebermos todos que a felicidade de cada um depende em grande medida de cada um. Não esperar que seja a empresa ou os lideres a cuidar da felicidade mas que a mesma depende de nós em grande medida.
Pela sua experiência, é possível ser-se feliz no trabalho?
SIM!!!! Não somos sempre felizes e temos altos e baixos. Porque a vida é isto mesmo. Mas as pessoas podem ser felizes e querer estar na empresa e perceberem que nem tudo está bem, mas na balança do deve e haver todos estão a dar o seu melhor para que corra bem.
Somos todos seres humanos a tentar dar o nosso melhor e quando não conseguimos é importante termos a capacidade de dar oportunidade de melhoria a quem percebe que não esteve tão bem e quer melhorar.
A felicidade é um caminho de construção permanente e nunca estamos lá a 100%. Mas se no caminho e a dar o nosso melhor, estamos no caminho de alcançar a felicidade.